quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Salário mínimo

O poder de mercado de alguns empregadores implica que o salário mínimo tenha menos efeitos que os que ocorrem em “concorrência perfeita”.

Apesar dos receios, a instituição do salário mínimo em Inglaterra teve efeitos positivos no emprego, quantitativa e qualitativamente, de acordo com vários estudos. Um caso é um caso, claro. Daqui não resulta que a criação ou subida do salário mínimo num determinado país seja sempre desejável. Três factores merecem destaque, estando um ligado à especificidade inglesa, os outros, generalistas.

Primeiro, a imigração. Com a instituição de um salário mínimo e a consequente garantia de um certo (e previsível) nível de vida para quem esteja empregado, o incentivo a imigrar aumenta. Imigrantes disponíveis para aceitar qualquer emprego tornam a taxa de desemprego nesse novo fluxo de população activa marginal, puxando a taxa média global para baixo, até ao ponto de melhorar os números globais do desemprego. (Não esqueçamos a possibilidade de criar novos empregos. A Lei de Lavoisier raramente se aplica em economia).

Uma remuneração mais elevada permite, numa lógica contratual, que o empregador exija mais aos seus trabalhadores.

Segundo, o poder de mercado que alguns empregadores têm. Este implica que a instituição do salário mínimo tem, na realidade, efeitos menos significativos que os resultantes de uma situação de “concorrência perfeita”, e que estarão também longe do aumento claro de emprego numa situação de “monopsónio” – inaceitável como modelo para uma economia actual. Sendo o primeiro paradigma redutoramente utilizado por tantos, não só economistas, importa frisar que certas imperfeições no mercado laboral – a imobilidade dos trabalhadores, o conluio de alguns empregadores, a assimetria informacional entre as duas partes – contribuem para que os efeitos na retracção da oferta de trabalho sejam menos significativos do que os habitualmente retratados.

Terceiro, a atractividade relativa do trabalho e do desemprego. Para uma mesma política de apoio ao desemprego, uma subida salarial torna o trabalho comparativamente mais vantajoso para quem o possui. Uma remuneração mais elevada – imposta exteriormente – permite, numa lógica contratual, de reconhecimento mútuo do “choque” sofrido, que, para o mesmo nível de emprego, o empregador exija algo mais aos seus trabalhadores, contrabalançando o impacto imediato nos custos.

Como outros, este último efeito não é apreensível através de uma análise estática e superficial da interacção entre as curvas de oferta e de procura de trabalho. Encontrar um ponto de equilíbrio entre as duas curvas e perceber como ele se altera quando elas se movem não basta. Há que procurar entender o que está por trás de cada uma delas, o que as influencia em cada momento e de forma dinâmica. Um tema para outra análise.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Tempo de reflectir

Comum a Cavaco e a Wolf é a ideia de um conluio tácito em elites políticas e empresariais, que promove remunerações difíceis de justificar.

“Injustificados” e “desproporcionados” – assim qualificou Cavaco Silva os salários de altos dirigentes de empresas portuguesas, no seu discurso de Ano Novo. A nota “moralizadora” – para muitos de duvidosa necessidade – ficou marcada por uma alusão vaga à disparidade entre os salários médios dos trabalhadores e dos gestores. Num país cheio de inveja, ficou a ideia de uma invectiva contra os “ricos” e os “bem sucedidos”. Curiosamente, vários gestores saudaram as preocupações partilhadas. O que é surpreendente, ou talvez não: há discordâncias públicas que se pagam caro. Certo é que o discurso presidencial permitia leituras diversas e, com alguma caridade, o retrato não sai mal de todo.

No FT, Martin Wolf defendeu que os bancos centrais devem ter um papel importante na definição das remunerações dos banqueiros (www.ft.com/cms/s/0/73a891b4-c38d-11dc-b083-0000779fd2ac.html). Wolf considera legítimo intervir a este nível porque comportamentos irresponsáveis potenciam crises bancárias – 100 nos últimos 30 anos – que levam a perdas sociais enormes (a “nacionalização” do Northern Rock custará 3 mil euros a cada contribuinte inglês). A incerteza própria deste sector e a dificuldade em avaliar a qualidade das decisões tomadas concorrem, segundo o colunista, para conflitos de interesse entre várias partes. Wolf sugere, entre outras coisas, que as remunerações dos banqueiros dependam dos resultados num período mais vasto que o curto prazo (uma década), que torna a tomada de riscos excessivamente atractiva.

Num país cheio de inveja, ficou a ideia de uma invectiva contra os "ricos" e os "bem sucedidos". Curiosamente, vários gestores saudaram as preocupações partilhadas por Cavaco Silva.

Cada uma destas reflexões vale por si – e há diferenças nos discursos. A motivação essencial de Cavaco Silva é a "justiça social", a de Martin Wolf, a "estabilidade" no sector bancário. O primeiro apela à reflexão de altos quadros empresariais, o segundo propõe explicitamente uma maior regulação num dado sector. Sobressai, porém, um aspecto comum: a ideia de um conluio tácito em determinadas esferas, que sustenta e promove remunerações difíceis de justificar. Politicamente, importa ainda que a falta de “accountability” e de transparência em algumas elites empresariais e políticas semeia ventos de populismo. Só um tolo toma a ordem e a liberdade como adquiridas.

Nota: Vindo de António Vitorino, o eufemismo da “recomposição” governamental não surpreende. A nulidade do comentador é tanto mais grave quanto maiores os seus pergaminhos. Mas há um lado útil naquele "tempo de antena": mostrar como a lógica Menezista das "quotas" é embrutecedora.