quarta-feira, novembro 28, 2007

Para quê tantos licenciados?

Os ingleses já perceberam que, por muito "tecnológico" que um país se torne, existirão sempre empregos que exigem baixas qualificações.

Um em cada três licenciados ingleses tem um emprego que não requer licenciatura. A sobre-qualificação em determinados desempregos resulta de uma insuficiente procura (ou um excesso de oferta) para essas qualificações. Num estudo da LSE, referido pelo Financial Times, critica-se a forma como os governos ingleses têm insistido, desde 1992, na ideia de que mais trabalhadores qualificados são sempre uma coisa boa, quando não essencial à "competição com outros países". Em Portugal vivemos uma situação de contornos idênticos.

Dois efeitos previsíveis deste tipo de discurso político são a frustração de muitos licenciados, que acabam por ter um retorno do investimento feito inferior ao esperado; e a afectação de outros recursos económicos de forma ineficiente – porque demasiado enviesada e alheia à realidade do país. Aquilo que os ingleses já perceberam é que, por muito "avançado" e "tecnológico" que um país se torne, existirão sempre empregos que exigem baixas ou médias qualificações (aliás, tão dignos quanto os outros, mas talvez os cérebros que desenharam a campanha publicitária das "novas oportunidades" discordem). A cegueira nacional faz-nos temer o pior.

Sendo legítimo que um governo influencie a dinâmica de crescimento de um país, a melhor forma de o fazer, hoje, passa por um reforço do papel de mediação entre procura e oferta.

Não está em causa a liberdade de cada um prosseguir os seus estudos ou de escolher um emprego para o qual tenha qualificações a mais. Já aqui defendemos que a educação superior é, antes de tudo, uma formação para a vida, não um mero instrumento de formação profissional. Sendo legítimo que um governo influencie a dinâmica de crescimento de um país, a melhor forma de o fazer, hoje, passa por um reforço do papel de mediação entre procura e oferta.

Quais os percursos profissionais, as oportunidades e os ganhos dos licenciados nas várias áreas do saber? Quais as necessidades de emprego dos empresários no futuro? A recolha de dados relativos a este mercado – como a obtenção de mais informações sobre os alunos que realizam exames no Secundário, que se espera já em 2008 – permite escolhas mais conscientes dos cidadãos. Pela sua situação privilegiada, faz sentido que o Estado promova tais iniciativas. Infelizmente, falamos de políticas relativamente discretas, incapazes de proporcionar momentos emocionantes no telejornal e que dificilmente satisfarão quem apadrinha o patrulhamento ao sal e às bolas de berlim por esse país fora.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Morta à nascença

Um banco que sugere uma fusão “amigável” propondo condições à partida [...] mostra ter uma estratégia ambiciosa mas mal delineada.

Uma fusão entre BCP e BPI seria benéfica para os grandes clientes e prejudicial para os pequenos clientes. Se bem sucedida, também os accionistas dos dois bancos sairiam a ganhar. As grandes empresas beneficiariam no que respeita à internacionalização e aos serviços de banca de investimento. A perder ficariam os particulares e as PMEs, que, com pouco ou nenhum poder negocial junto de cada banco individualmente, sofreriam com o aumento de preços que a diminuição no número de ‘players’ sempre traz. Como referiu Luís Aguiar-Conraria, no "Público", com esta fusão os dois principais bancos ficariam com 60% de quota de mercado e os quatro maiores com 90% – percentagens que falam por si. Num país em que o investimento privado faz falta e as desigualdades se acentuam, estes efeitos são difíceis de ignorar. Contudo, a vontade dos dois bancos se juntarem não é ilegítima.

Algumas vezes o que desejamos coincide com o que prevemos. É o caso. A OPC está inquinada porque nasceu torta. Um banco que sugere uma fusão "amigável" propondo condições à partida, ainda para mais desrespeitadoras para os accionistas do banco visado, mostra ter uma estratégia ambiciosa mas mal delineada. Soma-se a isto o facto de as culturas dos dois bancos serem muito diferentes, o que torna a "mestiçagem" difícil. Em suma, ou se avançava para uma OPA – necessariamente "colonizadora" – com um bom prémio, ou se preparava convenientemente a fusão nos bastidores. Sinal de um certo desnorte foi, de resto, a discussão do assunto na praça pública.

Num país em que o investimento privado faz falta e as desigualdades se acentuam, os efeitos de uma maior concentração bancária são difíceis de ignorar.

O desmantelamento do BCP é uma hipótese improvável, não obstante a sua actual crise. Por muito que isso agrade aos jornalistas, a vida de um banco não é uma sucessão de 'sprints'. A hipótese de compra do BCP por parte de um banco estrangeiro é largamente teórica. Um banco rentável, de dimensão consolidada nos seus principais mercados e com uma cultura muito forte não é assim tão apetecível. Em todo o caso, sabemos que, nesse longínquo cenário, o número de ‘players’ se manteria e os serviços prestados aos clientes se alargariam. Lembro ainda que, num mercado muito regulamentado e onde dificilmente se descobrem problemas de soberania, não há razões sérias que sustentem a teoria dos "centros de decisão nacional". O futuro do BCP pode parecer sombrio a muitos, mas não se esgota no preto ou branco.