quarta-feira, agosto 22, 2007

Credibilidade

Um passado de cumprimento de uma determinada estratégia é uma “âncora” que condiciona as escolhas do oponente.

Ter credibilidade é essencial em situações estratégicas. Na proposta de um preço numa OPA, na promessa de não aumentar os impostos ou na ameaça de cortar a mesada, quanto mais o outro acreditar no cumprimento do que é anunciado, maior o poder negocial do próprio e, com isso, maiores os seus ganhos esperados. Destaco cinco formas de aumentar a credibilidade.

1) Reputação. Um passado de cumprimento de uma determinada estratégia é uma “âncora” que condiciona as escolhas do oponente. Um governo que nunca tenha negociado com raptores enfrenta uma probabilidade de raptos futuros mais baixa.

2) Contratualização. Um contrato cria um custo de incumprimento do que nele constar, aumentando assim a probabilidade de vir a ser honrado. Contudo, se, ao longo do tempo, os custos em cumpri-lo vierem a ultrapassar os seus benefícios, ele será quebrado – sendo um dos custos relevantes o abalo na reputação de quem o quebra. Por exemplo: casamento (contrato formal); programa de governo (contrato informal).

Se desconfia que vai fraquejar na altura de negociar, 
por que não pagar a alguém para o fazer por si?

3) “Queimar pontes atrás de si”. Ter menos opções pode ser vantajoso em situações estratégicas, e não apenas quando haja problemas de auto-controlo. A impossibilidade de retirada numa luta – como aconteceu quando Cortéz mandou queimar todos os seus barcos depois de desembarcar no México – garante que cada um lutará com ânimo acrescido e que o adversário, reconhecendo o desespero do atacante, considerará a opção de fuga com melhores olhos.

4) Delegação. Se desconfia que vai fraquejar na altura de negociar, por que não pagar a alguém para o fazer por si?

5) Deixar o resultado fora do controlo humano. Melhor do que delegar num humano, possuidor de vontade própria, é fazer depender a escolha de uma máquina. No filme “dr. Strangelove”, os russos constroem a “Doomsday machine”, que desencadeará, em caso de ataque nuclear dos americanos, um contra-ataque de “proporções nunca vistas”. Como ninguém pode desactivá-la ou corrompê-la, o contra-ataque é absolutamente credível, tornando-se – assumindo que o oponente está a par disso – num dissuasor perfeito.

Para desenvolver este e outros temas de estratégia, recomendo vivamente o livro “Thinking Strategically”, de Dixit e Nalebuff.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Repensar o PEC

A existência de entidades independentes com certos poderes pode ser positiva para uma democracia liberal.

Uma notícia desagradável para cada um, porém boa para todos: o preço da água deverá subir entre 25% a 30% até 2010, por pressão da Comissão Europeia. Como outras medidas impopulares mas necessárias, esta subida de preço recorda-nos de como a existência de entidades independentes com certos poderes pode ser positiva para uma democracia liberal. É neste quadro que devemos reflectir sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Os “números” do PEC continuam a ser motivo de demagogias incompreensíveis.

Diversos políticos e comentadores – economistas, muitos deles – falam desses números com o desdém de quem não lhes reconhece qualquer lógica. E, no entanto, ela é simples: uma gestão sustentável das finanças públicas requer solvabilidade a longo prazo; um défice temporário (”fluxo”) pode ser financiado através da emissão de dívida pública (‘stock’); quando esta é igual a 60% do PIB e a taxa de juro relevante se fixa nos 5%, a restrição orçamental de longo prazo impõe que o défice orçamental não exceda os 3% do PIB.

Os “números” do PEC continuam a ser motivo de demagogias incompreensíveis. Diversos políticos e comentadores – economistas, muitos deles – falam desses números com o desdém de quem não lhes reconhece qualquer lógica.

Numa Europa a envelhecer e com um Estado social generoso, acabar com o PEC – como defenderam, nestas páginas e em tons diferentes, Domingos Amaral e Ricardo Reis – parece-me muito arriscado. Inerente à moeda única é a premissa forte de que uma série de variáveis macroeconómicas não derrapará nos países que a adoptaram. Com regras menos apertadas e um número crescente de países-membros, a instabilidade espreitará. Acresce que o BCE tem ganho credibilidade, mas não tem a autoridade de um “Papa” (recorde-se Greenspan), o que implica ainda que a reorientação da sua política monetária – com maior peso para o crescimento económico – não possa ser vista como uma ruptura.

Depois dos incumprimentos da França e da Alemanha, a revisão do procedimento relativo aos défices excessivos adquire uma importância central na reforma do PEC, sendo essencial distinguir o impacto de políticas governativas do de outras variáveis económicas e enquadrar as reformas estruturais. Esta flexibilização exige duas contrapartidas: situar em 1%-2% o objectivo para o défice em períodos de crescimento económico e atribuir maior independência aos responsáveis por fazer cumprir o acordo revisto. Optar pelo facilitismo, cedendo às pressões eleitorais de cada país, poderá ser fatal para o projecto europeu.