quarta-feira, julho 11, 2007

O direito à indiferença

Numa sociedade civilizada, a piada e o insulto homofóbicos têm, da parte de qualquer cidadão, uma oposição firme e construtiva.

Numa sociedade liberal pujante, cada um tem bem presentes os seus direitos e responsabilidades. Estas não têm de passar pela lei escrita e têm duas dimensões distintas: a obrigação de A perante B – decorrente do direito de B sobre A – e, um nível acima, a obrigação de preservar os valores que sustentam essa sociedade, como a coesão e a pluralidade. Duas obrigações que todos entendem são o apoio aos mais frágeis e o respeito por modos de vida diversos. Nos transportes públicos não será necessário reservar lugares para grávidas ou idosos, porque ceder o lugar é um dever reconhecido por todos. A discriminação pública de outro indivíduo – que pressupõe um juízo de desvalor – não é aceitável nessa sociedade. É por isso que não são toleráveis as manifestações públicas de racismo ou de homofobia. As primeiras acarretariam, no nosso país, e hoje em dia, uma sanção social, o que não aconteceria necessariamente com as segundas, aceites por muitos ou mesmo incentivadas.

Em Inglaterra, como noutros países de tradição mais liberal, a questão da homofobia já não se debate. Impera um princípio simples: o direito à indiferença no espaço público. Não basta defender o direito de cada um à sua vida privada, porque a vida em sociedade comporta um lado social fundamental, onde se inclui, entre outros, a manifestação pública de afectos. O direito a não ser incomodado é, neste plano, o direito de não ser discriminado por fazer aquilo que é feito em contextos relacionais mais comuns. Numa sociedade civilizada, a piada e o insulto homofóbicos têm, da parte de qualquer cidadão, uma oposição firme e construtiva.

Não deve valer de muito lembrar [...] que a defesa de uma causa justa só pode ser feita independentemente dos interesses do próprio. Mas não custa tentar.

Não é isso que se vê em grande parte dos liberais de direita portugueses. Percebe-se porquê. Muitos deles são moralmente conservadores, convivendo mal com a ideia de um espaço público onde a sua moral particular não seja seguida por todos. Depois, há os “boatos” e as “rotulagens”. Não deve valer de muito lembrar a transversalidade das lutas anti-esclavagistas e pró igualdade de direitos entre homens e mulheres. Ou que a defesa de uma causa justa só pode ser feita independentemente dos interesses do próprio. Mas não custa tentar. Porque o silêncio perante a homofobia pública – esclarecedoramente exibida aquando do caso das duas adolescentes de Gaia –, resume-se nisto: quem se cala, consente.