quarta-feira, abril 18, 2007

Arquivar o inconveniente

Quando se convive mal com a crítica, perde-se em autoridade o que se conquista de autoritarismo.


Pensemos, em abstracto, no cenário de um primeiro-ministro envolvido num caso de favorecimento político. Provada a obtenção de favor, seria sustentável não haver lugar a uma demissão? Em abstracto, não. No concreto, a resposta é menos simples.

Com o caso da UnI aprendeu-se muita coisa. Primeiro, que ainda há quem atire areia para os olhos alheios, sugerindo que a presente suspeita de favorecimento político – coisa evidentemente pública – está no mesmo nível de comentários, politicamente inaceitáveis, sobre a vida privada de cada um (se a pessoa fuma, se vai à missa, se dorme com A ou B, se sofre de insónias, etc.). Segundo, que é possível alguém afirmar nada dever, nada temer e, ainda assim, tremer, e muito. Terceiro, que o primeiro-ministro terá “pressionado”, sem conseguir “condicionar”, vários jornalistas, num uso pouco eficaz dos recursos do país. Quarto, que quando se convive mal com a crítica, perde-se em autoridade o que se conquista de autoritarismo. Quinto, que só um político muito 'by the book' poderia declarar não se ter preparado especialmente para uma entrevista importante – e sem que ninguém se risse no estúdio.

Só um político muito ‘by the book’ poderia declarar não se ter preparado especialmente para uma entrevista importante – e sem que ninguém se risse no estúdio.

Valerá a pena perder mais tempo com este assunto? Apesar de se tratar de um caso potencialmente bastante sério, é provável que não – mas apenas porque podemos hoje dizer que já aconteceu tudo o que de relevante poderia ter acontecido. Sendo virtualmente impossível provar certo tipo de acusações, só podemos sublinhar a presunção de inocência e a inutilidade de avançar com investigações mais “aprofundadas” e “independentes”. Em termos políticos, e tendo em conta o ponto anterior, releva ainda a nota tão previsível quanto irritantemente tecnocrática que o Presidente da República deixou sobre o caso: “há coisas bem mais importantes para o desenvolvimento económico de Portugal”.

No fundo, que interessa investigar se o actual primeiro-ministro beneficiou de favores políticos, num país onde isso é relativamente aceite, e depois das fugas de Guterres e Barroso, do 'show' de Lopes, de um défice que chegou aos 7%, e a poucos meses da Presidência da UE? Interessará, ma non troppo. Os “custos de contexto” serão suficientemente grandes para que o caso deva morrer aqui. Quando convém a muitos, é assim: arquiva-se.

terça-feira, abril 03, 2007

O admirável mundo da Ota

Os decisores políticos sairão sempre beneficiados com uma obra desta dimensão [...] não é seguro que sobre ela venham a prestar contas.


Quando um projecto é faraónico, o cidadão desconfia. Estima-se que a Ota custará – sem contar com as inevitáveis derrapagens – 3,1 mil milhões de euros. Mário Lino, na boa tradição do intervencionismo estatista, afirma que “as obras públicas são essenciais à economia” e que a Ota trará um “novo fôlego ao sector da construção”. Diz ainda tratar-se de um “compromisso pessoal” – uma declaração infeliz e reveladora.

A possibilidade de ver surgir mais um “elefante branco” obriga-nos a lembrar duas coisas. Primeiro, os decisores políticos sairão sempre beneficiados com uma obra desta dimensão, sendo que não é seguro que sobre ela venham a prestar contas. Os benefícios têm lugar no curto prazo, a avaliação global só é possível a médio prazo. Não é por acaso que ‘accountability’ é dificil de aportuguesar (e recorde-se como a governação, em Portugal, parece ser cada vez mais um mero trampolim para voos mais desejados). Segundo, existe uma incerteza grande quanto aos benefícios do projecto. Quer a procura da gratificação imediata, quer o excesso de optimismo, incentivam o decisor político a ser favorável a projectos que deveriam ser chumbados.

Grave é que, no meio de tanta discussão técnica, não se dê a devida importância ao custo da obra – pago pelas gerações actuais e futuras.

Não bastavam estas perversões, acresce ainda a pressão dos engenheiros deslumbrados com a ideia de tão “grande obra”. São precisas 235 mil estacas? “Isso não é nenhum papão para a engenharia portuguesa”, advertem. Como o major Valentão do Contra-Informação, eles não têm medo de nada, estacas incluídas: só precisam de saber “quantas são”. Grave é que, no meio de tanta discussão técnica, não se dê a devida importância ao custo da obra – pago pelas gerações actuais e futuras.

Numa estratégia inteligente, o governo tem feito por transmitir a ideia de a decisão ser definitiva, procurando desanimar os opositores, enquanto pisca o olho aos beneficiários do projecto, desde logo a banca, como notavelmente explica João Caetano Dias (http://www.causaliberal.net/documentosJCD/falaciasota.htm). Mas em política nada é irreversível.

A alternativa mais sensata – a que respeitaria os contribuintes – seria apostar num aeroporto ‘low cost’, complementar da Portela, que satisfaria e geraria tráfego acrescido, proveniente de um novo tipo de turismo. Uma opção responsável, inevitavelmente incapaz de satisfazer o apetite estatista pelas grandes obras.