quarta-feira, dezembro 27, 2006

Rigor criativo

Sendo o problema da ”optimização” central à Economia, o incentivo ao uso da estrutura formal da Matemática é enorme.


Como de tempos a tempos nos lembram certos estudos internacionais, somos – portugueses – demasiadamente avessos às ciências exactas e ao pensamento lógico e matemático. Por contaminação, não primamos, na escola e na universidade, na política e nos ‘media’, pelo rigor argumentativo que a discussão de ideias exige (e ”discussão” não é ”conversação”).

A falta de empatia que o aluno português médio tem com a Matemática terá que ver, em parte, com um certo desejo de liberdade, mais negativo do que positivo: um não querer ver-se aprisionado por regras, mais do que um querer criar algo de novo. Uma equação é vista como uma prisão, não como um espaço de descoberta. Mas isso não tem de ser assim. Na Matemática, como na Música e na Dança, como também na Economia, é necessário primeiro perceber as regras, ganhar disciplina, para depois, legitimamente, experimentar o improviso e dar largas à criatividade.

Há quinze dias, escrevemos que o economista é um ”marginalista”: alguém que tenta compreender as escolhas dos agentes económicos à luz dos custos e benefícios marginais que cada alternativa disponível proporciona. Sendo o problema da ”optimização” central à Economia, o incentivo ao uso da estrutura formal da Matemática é enorme. Mais: uma certa animosidade para com a rainha das ciências significa, nos dias de hoje, um forte ‘handicap’ para se reflectir economicamente.

Aquilo que mais diferencia a Economia de outras ciências sociais é o ângulo de análise descrito: o de procurar explicar as ”escolhas óptimas” dos agentes económicos. E isso faz dela essencialmente uma ”metodologia” (um método de análise), mais do que uma ”ideologia” (um corpo de ideias), não obstante ela basear-se – como seria sempre inevitável – em determinadas hipóteses apriorísticas. Exemplos? A racionalidade ilimitada, a ausência de problemas de auto-controlo, o individualismo metodológico: todos eles amplamente disputados. E ainda bem.

A ideia de que o rigor do espírito matemático é condição necessária (embora não suficiente) à boa Economia – que é necessariamente criativa – convida à exploração do leitor. Para ”ver para crer”: leia ”Armchair Economist”, de Steven Landsburg, e acompanhe o que escrevem Tyler Cowen e Alex Tabarrok no sítio, de nome bem sugestivo, www.marginalrevolution.com.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

“Na margem”

Um economista é um “marginalista”. Que adverte que se o custo/benefício marginal de uma acção muda, ela será reavaliada.


Um economista, mais do que aquele que conhece esta ou aquela teoria, é alguém que tem uma forma peculiar de olhar o mundo. Munido da sua “lupa” especial, ele procura compreender cada escolha individual à luz dos incentivos presentes em cada situação, o que o torna especialmente atento a duas coisas: o custo de oportunidade de cada escolha tomada (que não lhe permite ignorar o valor de outras escolhas disponíveis); e a forma como uma escolha inicial se torna mais ou menos atractiva quando o seu “preço” – em sentido lato - se altera.

Pergunta teórica: o que acontecerá ao número de mortes na estrada quando o uso de cinto de segurança se torna obrigatório? A resposta popular é “diminuirá”. O economista, mais rigoroso, dirá: “depende”. O número de mortes por acidente será menor, fruto da segurança acrescida que o cinto traz em caso de acidente, mas os condutores tenderão a adoptar uma condução menos cuidadosa, dado que, na margem, os benefícios de uma condução cuidadosa diminuem quando se usa o cinto de segurança – logo, o resultado final será indeterminado.

O primeiro efeito – o “efeito volume” – será identificável por qualquer um. É o segundo efeito – o “efeito substituição” – que requer o faro típico de um economista, que lembrará que a escolha óptima do “cuidado a ter na condução”, como qualquer outra, envolverá um ‘trade-off’ entre benefícios (maior segurança) e custos (maior cansaço, menor aproveitamento da paisagem, menor interacção com os ocupantes, etc).

Outro exemplo: a descida no IRC. O “efeito volume”: descida na receita arrecadada por cada euro declarado. O “efeito substituição”: aumento no total de euros declarados, por, na margem, haver um incentivo acrescido à criação e à expansão de negócios e à declaração daqueles anteriormente “informais”. O efeito final: indeterminado. Um economista sublinharia que a actividade económica declarada (como a condução menos cuidadosa) se tornou “relativamente mais barata”.

Um economista é, portanto, um “marginalista”. Que adverte que se o custo/benefício marginal de uma acção muda, ela será reavaliada. Que sabe que a Economia é menos previsível que a Física. Que lembra que é por muito se poder perder, e por muito se poder ganhar, que tudo necessariamente se reequaciona e tudo potencialmente se transforma.