quarta-feira, abril 05, 2006

A minuta

O corporativismo em algumas universidades portuguesas é tanto mais condenável quando esperamos que elas sejam pólos de excelência e exemplos a seguir.

A endogamia, no contexto do ‘job market’ universitário, consiste na contratação preferencial de indivíduos da mesma instituição. Do ponto de vista da racionalidade, a endogamia é perfeitamente entendível: trata-se de uma forma de protecção mútua entre agentes que estabelecem, de forma não necessariamente explícita, um contrato de protecção mútua. Num país de cidadãos avessos ao risco, o comportamento não surpreende. Mas se a endogamia é racionalmente entendível, ela não é, obviamente, aceitável. Uma universidade que pretenda fazer investigação e oferecer ensino de qualidade não pode fechar-se ao exterior nem ter um corpo docente receoso de competição. O corporativismo que existe em algumas universidades portuguesas é tanto mais condenável quando esperamos que elas sejam pólos de excelência e exemplos a seguir.

Um caso caricato chegou-me há dias ao conhecimento. Rezava assim: um cientista português, radicado no estrangeiro, respondera a um concurso duma universidade portuguesa, publicitado na internet. A sua candidatura fora desqualificada, informava a Reitoria da instituição em causa, por não incluir “a minuta de candidatura”. A dita “minuta”, que não era referida no anúncio nem estava acessível ‘online’, não passava de um formulário no qual se requeriam o nome próprio, a filiação e a referência do concurso. Só a informação relativa à filiação não era deduzível da restante candidatura. Conclusões? Duas. Uma geral e uma particular.

A primeira: é nos pequenos detalhes que muitas vezes se percebem as grandes diferenças. Este tipo de requerimentos, essencialmente burocráticos, mesquinhos e alimentadores da mediocridade, não se coadunam com uma cultura meritocrática. Erguer este tipo de “muralhas”, de forma kafkianamente engenhosa, para proteger os habitantes do “castelo” não é prática admissível numa instituição onde a busca de conhecimento seja o móbil maior. A segunda: só com uma invejável dose de ingenuidade conseguiremos não suspeitar que a instituição em causa, a Universidade de Lisboa, tenha encorajado, ao mais alto nível, a contratação preferencial de pessoas da casa.

Confesso-me particularmente à vontade para expor este caso por não ter qualquer relação pessoal ou profissional com o visado (o biólogo Miguel Araújo). Cumprindo, ‘en passant’, a máxima de que a justiça deve ser cega. Não fora a seriedade da questão, mais a autonomia universitária, e o título do texto poderia ter sido “A 334ª” - a medida “essencial” e “emblemática” que faltaria à desburocratização do país. Como assim não é, opto por citar o visado nesta história: “Não há planos tecnológicos, estratégias de Lisboa ou protocolos com o MIT que resistam a uma burocracia cuidadosamente arquitectada para defender os interesses da mediocridade instalada. Assim, não vamos lá.” Pois é.