quarta-feira, abril 19, 2006

Fora de mão

Sabemos que assuntos de volante não convidam à racionalidade dos portugueses. Esperemos que o ministro da Economia não conduza o processo Brisa fora de mão.

A recente polémica em torno da Brisa resume-se assim: deveria a Autoridade da Concorrência (AdC) ter dado luz verde à passagem de um duopólio para um monopólio regional? Não vale a pena esgrimir argumentos sem entender a particularidade da questão. Como Lisboa e Leiria, não há outras cidades europeias ligadas por duas auto-estradas paralelas. A concorrência nos dois troços –A1 (Brisa) e A8 (AEA) – resulta da existência de utilizadores “transferíveis” e de as tarifas não serem fixas: existe um tecto máximo mas as empresas poderão cobrar preços distintos pelo trajecto. Contra a recomendação negativa da AdC, o presidente da Brisa afirmou que a concorrência no mercado se “esgota” no momento do concurso. Falso: a concorrência existe, predominantemente, nessa fase, mas, neste caso, existe também numa fase posterior. Vasco de Mello argumentou ainda que a Brisa detém uma quota de mercado inferior à das congéneres europeias, o que é irrelevante: importa analisar a estrutura de mercado no troço em questão e não no país inteiro. Este tipo de falácia – tomar o todo pela parte – é repetido ao invocar a aprovação recente de fusões pelo regulador espanhol, dado que estas são globais e não relativas a troços concorrenciais.

No ”Expresso” de 12-04-2006, escreveu Daniel Amaral (em nota final, sem adiantar mais) que a AdC acabava de tomar uma decisão “errada, desenquadrada, antieconómica e absurda”. O “errada” é inteiramente legítimo: a decisão requer uma análise de custo-benefício para as empresas e para os consumidores relevantes, o que implica juízos normativos. Os ganhos por eficiência operacional têm de ser contrapostos às perdas para os condutores que poderão advir do acrescido poder de mercado de um monopolista regional. Ignorar que há um ‘trade-off’ a fazer é inadmissível. O “absurda” é redundante e excessivo no tom. O “desenquadrada” desafia: que “quadro” terá, afinal, o economista em mente? Não se entende. Mas o “antieconómica” dá uma achega: talvez se sobrevalorizem os 107 milhões de euros da operação (que entram directamente para os “livros”) face ao excedente do consumidor (um mero “intangível”).

Não podemos, por falta de conhecimento pormenorizado do caso, dar aqui uma opinião final sobre o assunto – mas deixamos três notas. Primeira: a análise tem de ser circunscrita, sem falácias de dispersão. Segunda: a AdC emite recomendações e não sentenças, o que deve dar lugar a um debate sério. Terceiro: o interesse nacional não está em confronto, antes inclui os interesses dos consumidores. É compreensível que em tempo de crise seja mais rentável falar em milhões de euros de investimentos do que em excedente do consumidor. Também sabemos que assuntos de volante não convidam à racionalidade dos portugueses. Esperemos que o ministro da Economia não conduza este processo fora de mão.